#04 | Oito de copas
Tal qual elementos exotéricos, esse texto é uma confusão de desabafos com um fio condutor curioso e bom de agulha.
Sendo direta, não quero florear: estou bem frustrada.
Não existe muita coisa que eu possa fazer sobre isso, exceto digerir e continuar. Em outros tempos eu, sem dúvidas, tentaria remar contra. Contudo não tenho mais esse fôlego, admiro quem tenha. Porém acho que mesmo se tivesse não conseguiria me sustentar por tempo suficiente.
E é uma droga chegar a essa conclusão.
Viver na era da informação, com o adicional da trend da produtividade, tem acabado comigo e exaurido minhas esperanças aos poucos.
Claro que o copo sempre fica meio cheio, mas essa semana, por exemplo, manter esse nível não foi o bastante para a minha satisfação pessoal. Explico.
Primeiro: todo mundo parece estar maluco, e eu já tenho meus problemas. Concorda que é arrumar pra cabeça entrar nessa paranoia coletiva?
Segundo: odeio precisar ser alguém em redes sociais hoje em dia pra afirmar as coisas que desenvolvo. Desculpa, mas acho cruel.
Pior ainda é não enxergar cenário de melhora, no geral estou cansada pra caramba. Entendem? Trabalho oito horas por dia, e tem dias que não consigo nem fazer o que me proponho — em relação a escrita e tudo mais. É sério que ainda tenho que alimentar três ou cinco perfis em aplicativos vazios de sentido, torcendo para que as pessoas gostem de mim ou reconheçam um suposto valor na minha imagem? Me perdoem o palavreado, mas é foda.
Estou com leituras acumuladas, projetos parados e noites em débito comigo mesma. Me recuso a cair na falácia do “trabalhe enquanto eles dormem”, e tudo que consigo pensar é em como sou privilegiada por conseguir ter tempo pra cuidar de mim.
Olha só que bizarrice! É muito complexo. Quero dizer, isso não deveria ser implícito ou a gente tá vivendo só pra encher o bolso de grana de algum Zé Mané ?
Okay, eu sei que estou divagando… Vamos tentar nos acalmar e elaborar.
A ponta do iceberg…
Tudo começou no trabalho. Pois é. Estava no processo de produção de uma série de reportagens que vão sair daqui há alguns meses e me deparei com o depoimento de uma senhora artesã.
O trabalho dela é bem bonito, a história nem tanto.
Em resumo, temos uma cidadã brasileira comum que foi mãe solo e se fodeu muito nesse processo. Foi doméstica boa parte da vida mas gostava mesmo do tricô. Mas o tricô levava tempo, gastava material e quase nunca as pessoas queriam pagar o que era justo pelas encomendas. Enfim, ela desenvolveu uma dor crônica e, com o tempo, ficou impossível continuar com as faxinas. As contas se acumularam, o filho mais velho felizmente conseguiu um bico na praia pra ajudar nas finanças da casa só que, de vez em quando, as contas não fechavam. Então, o que acontecia? Ela mesma enfrentava a dor e arrumava uma diária ou outra pra fechar o mês no azul. O tempo passa, ela aposenta e consegue trabalhar nas suas peças de fato. Enxovais, pra ser mais específica. E no meio da gravação ela me solta um: a vida quer tanto da gente mas, às vezes, o que a gente consegue entregar é um boneco colorido pra enfeitar um berço de um inocente, e essas coisas não costumam ter muito valor, sabe?
Eu sei… — respondi mentalmente. Me segurando pra não chorar e parecer uma total descontrolada na frente dos meus colegas de trabalho.
Então, no fim do dia lá estou eu sentada de frente ao computador, torcendo para que a batalha com as palavras seja branda. Afinal, na manhã seguinte tenho que estar de pé, dando o meu melhor. E tudo que me vem a mente é essa frase dessa senhora. Então, chego a conclusão que não importa o que eu esteja fazendo, não parece ser relevante de fato.
As Newsletters das terças, por exemplo… Não encontrei o tom ainda. Sinto que estão repetitivas, e creio que se insistir elas vão continuar na mesma. Nem coragem tive de mantê-las na página! Elas quase não refletem muita coisa sobre quem eu sou, o que quero dizer. O que é contraditório, já que comentei coisas que me compõe. Mas, sei lá… Falta.
E aí tem toda essa coisa do ser interessante online.
Refletindo, penso que tudo que tenho pra entregar pra vida sejam meus sentimentos crus em forma de história, de um jeito que a pós-modernidade não se interessa mais. Do mesmo jeito que essa mesma pós-modernidade não paga bem pelo trabalho da senhora do tricô — que é tão talentosa, vejam só… Mas que está na sombra por não se encaixar num contexto de popularidade que excluí pessoas como ela em detrimento de um algoritmo inflexível, alcançando sempre o mesmo público.
E cá está meu freio.
Pra além da superfície …
OITO DE COPAS: UM CHAMADO PARA SER HONESTO CONSIGO MESMO SOBRE O QUE REALMENTE NUTRE A ALMA E TER A BRAVURA DE SE AFASTAR DO QUE NÃO SERVE MAIS, EM BUSCA DE UMA MAIOR REALIZAÇÃO EMOCIONAL.
Tenho alguns poucos decks de tarot.
Não que eu seja uma pessoa super espiritualizada, mas tenho minhas manias e gosto de colecionar coisas bonitas que me despertem o mínimo de interesse.
Bom… Estava eu organizando minhas estantes, antes de dormir, e de repente o de Marselha cai puft, no chão. Para minha surpresa, uma única carta caiu com a face virada. A que fala justamente sobre introspecção, insatisfação, desapego… Coisas nesse sentido, que se alinha melhor com outras cartas dentro do jogo.
Foi impossível não relacionar minha frustração a essa coincidência. Eu não ia abrir um jogo inteiro onze da noite, pra bom entendedor meia palavra basta — e bastou pra mim.
Não vou mentir, não era a resposta que eu queria.
Talvez se alguém me chacoalhasse, e dissesse que sim, esse sopro do divino tivesse se dissipado da minha mente tão rápido quanto ele me atingiu. Mas não… Ele ficou, continua repetindo na minha cabeça que eu não preciso ser o que eu não sou pra agradar pessoas que eu nem sei quem são, e que é isso que está me causando sofrimento.
O fato é que estou presa num ciclo vicioso de entrar numa coisa de cabeça, não respeitar meu tempo e cair num limbo criativo, porque não estou me colocando em primeiro lugar pra aproveitar os resultados que consigo.
O que quer que seja que tenho pra entregar pra vida, vai ter que ser suficiente.
Pra finalizar a conversa…
Sei que o texto de hoje fugiu um pouco do tom que tenho mantido nas sextas por aqui. Por isso peço desculpas.
Contudo, aprendi que não dá pra fugir do que se sente por muito tempo. A semana não foi tão produtiva… Mas e daí? Se tenho esse espaço, porque não utiliza-lo para ser real? Tem tanta gente por aí fingindo tanta coisa… Não quero me assemelhar nesse sentido pra ser aceita ou algo assim.
Enfim, não sei o que vou fazer com as terças, prometo pensar ainda nesse final de semana. Só peço que vibrem positivamente a favor do meu fôlego.
Estou precisando dessa forcinha.
No mais, as coisas vão melhorar. Internamente, agradeço a Senhorinha do Tricô por ter me dado essa dose extra de realidade. É bom tatear nossas chances de vez em quando, e recalcular a rota se for preciso.
Conto com a leitura de vocês na próxima semana! Por aqui, estarei dando conta das várias Newsletters pendentes no meu e-mail. É sempre enriquecedor ver tudo que vocês são capazes de criar.
Agradeço se chegou até aqui.
Até a próxima! ✨
É isso, tem dias que as coisas não vão funcionar como gostaríamos mas está tudo bem!
cara... eu penso sobre muitas dessas coisas TODOS os dias. obrigada por esse texto 💘